domingo, 20 de maio de 2012


                                                                     Airton Maranhão
                                                                     Advogado e Escritor 
                                              Academia Russana de Cultura e Arte (ARCA)

LUZIRENE DO CAVAQUINHO

No município de Russas rondam criaturas curiosas das mais sábias, simples, desoladas, tristes e alegres. Determinadas de dotes morais desconhecidos e de iluminação terrível de notáveis valores bizarros, sobrenaturais e humanos. Criaturas que jamais sobreviveriam sem a manifestação de epítetos malditos, de insultos hilariantes e da pachorra diabólica da ofensa e do melindre que traduz a imagem da vida estranha como mensagem de ódio, indignação e incógnita. Umas paranormais nasceram insanas, outras com mente de crianças, nunca se tornaram adultas, algumas com a mente genial cresceram também em meio ao conflito do homem do espanto, do grotesco e da solidão. Indiferente às figuras do abandono e do desespero, humilhadas pelo insulto e ultraje da vida mutável. Enternecidas na loucura do mistério da existência do pensamento inútil. Figuras metódicas, rancorosas, maníacas, dotadas de magnetismo extremo e de amargo sarcasmo. Inferiorizadas pelo ridículo da manifestação da canalhice, da feiúra terrível, do mais notável gosto paranóico da vida perturbada na persistência dos apelidos que marcaram época em nossa cidade e que pelo imaginário ou pelo real, descortinaram no cenário russano. Começando com as pessoas que moravam na Vila do Chico Franco, vilarejo constituído de poucas casas à margem do riacho Araibu que ficava bem defronte dos fundos do quintal da antiga casa que pertencia aos meus pais e que se localizava na outra margem do riacho, na rua Monsenhor João Luiz, conhecida Rua do Patronato. O que ocorria naquela vila não havia explicação para os mestres da expressão e da retórica, com a imperfeição da fala, hábitos da gesticulação, postura da bestialidade, superstição-simbólica do mau augúrio, genialidade harmônica da musicalidade que fez aflorar o mais elevado nível musical de uma simples menina que tocava cavaquinho olhando as enchentes do riacho Araibu, sentada na calçada do vilarejo do Chico Franco. Essa menina é a nossa genial Luzirene do Cavaquinho. Responsável pelos maiores sucessos de todos os tempos, com apresentações nos programas da televisão brasileira para o mundo com a valorização característica da arte de tocar cavaquinho para família, para o Araibu e para platéias e auditórios de todo o universo. Residia naquela vila conturbada a embriaguez contumaz, as obsessivas brigas e desordens que aconteciam com a família dos Cacetes, que rogavam praga no Araibu com a cachaça amaldiçoada dos diabos. Ninguém calculava o tempo que passavam bebendo, gritando e brigando na linguagem desumana a praguejar, beijando a medalha milagrenta de São Cipriano. O engraxate Cacete gritava para o filho: - “Ô Caquim, Caquim, cadê a minha cachaça Caquim?” – “Pai, a mãe bebeu, a mãe bebeu, pai!” O velho praguejador ajoelhado à margem do Araibu, passava o dia a rogar cruéis maldições contra a mulher que se banqueteava de cachaça: - “Ô Caquim, Caquim, cadê a minha cachaça Caquim?” Naquele vilarejo infernal morava também o esquisito Zé do Ouro, sujeito lascado que vendia bugiganga para donzelas arranjar casamento, com benzedor da alma do diabo para adivinhar a milhar do bicho. E se dizia ser da seita do Pai-João. E o picareta quando vendia carne de bode, coçava o bigode a gritar: - “Olha a carne de bode!” – “Zé do Ouro, vende fiado?” – “Boca Rica, só come carne de bode quem pode!” A grande arma desse mutreteiro, casado com a filha do Chico Boi, era a palavra. Com esse trunfo ele sabia reagir à vaia e era aclamado com delírio e aplausos. Um dos seus maiores defeitos era ser metido a rico, até quando vendia miçanga banhada de falso ouro, zombava dos pobres: - “Zé do Ouro, vende fiado?” Ai começava a zombaria. - “Zé do Canário, eu tenho raiva da catinga de pobre, essa praga maldita de influência maléfica. Tenho vontade de surrar essa carniça preguiçosa, tacar o pé na bunda e empurrar essa canalhada abismo abaixo. Pobre não quer trabalhar só quer saber mesmo é roubar!” Metido a sábio como contador de vantagem e de pabulagem quando via forasteiros na cidade, exibia seu vocabulário com postura, seguro e confiante: “Senhores e senhoras eu conheço os hieróglifos do macumbeiro Roseno, já decifrei a língua da família dos Cacetes, descobri o dialeto do mentiroso velho Moacy e o idioma das fuampas do cabaré do Mário Preto. Eu pinto o diabo e sou o milionário Zé do Ouro!” Ali também morava o célebre macumbeiro Roseno, por suas façanhas hipnóticas de forças ocultas e da forma magnetizadora de tirar feitiços e encostos das pessoas, com seu bafo milagroso, soluço fatídico e gargalhadas sardônicas que atemorizavam o vilarejo na artimanha fetichista de fazer cruz no ar, hipnotizando as pessoas com a auto-sugestão e os demais moradores do vilarejo que ao anoitecer ficavam paralisados com medo de fechar os olhos. Sem esquecer do Cabo Lemo, que também morava na vila e que tinha um filho que se chamava Aurélio. Não me lembro do nome da mãe do Aurélio! Coitado do Aurélio do Cabo Lemo! A mãe era doida! Ela passava o tempo assombrando o pobre Aurélio, a gritar: - “Aurélio, acorda para apanhar, Aurélio!” E o pobre respondia: - “Estou acordado, mãe!” – “Pois venha apanhar!” Aurélio acordava para apanhar, apanhava para dormir, apanhava para comer, apanhava para não sorrir, apanhava para não olhar para o rio, apanhava para chorar. Apanhava para não jogar pedra nos meninos, apanhava para não correr atrás do Girita, que só andava de óculos escuros. Será que a mãe do Aurélio era doida? Aurélio sumiu de Russas. “Aurélio, acorda para apanhar Aurélio!” Russas possui uma imensa lembrança de pessoas inteligentes e patéticas, estranhas e esquecidas no tempo, vítimas da estrutura social ofensiva e humilhante que oculta, sem resgatar a memória da sátira, da prosa e do gracejo para não revelar os valores não reconhecidos que ficaram gravados como capítulos da história de Russas. Como exalto os filhos da terra, principalmente os que moravam na Vila do Chico Franco. Como o músico Aluizio Sapateiro, que tocava violão e cavaquinho, pai da genial Luzirene do Cavaquinho, conhecida como precoce fenômeno de Russas, que com apenas cinco anos de idade, subia na mesa empunhando um cavaquinho e tirava notas musicais para deixar todo mundo de queixo caído ao tocar “Brasileirinho” com o cavaquinho nas costas. Conhecida e respeitada no mundo inteiro representa Russas, a terra dos músicos e do maestro Orlando Leite.
                      

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