sexta-feira, 20 de maio de 2011

O MACUMBEIRO ROSENO




Originário do mundo fatídico das crenças ocultas, dos segredos tenebrosos, dos costumes mal-assombrados e das façanhas de arrepiar os cabelos das entidades fantásticas dos presságios, agouros, superstições e crendices, em Russas, na Vila do Chico Franco, à beira do riacho Araibu, vizinho à família dos hilariantes Cacetes, reinou um dos seres humanos mais enigmático, obscuro, estranho e esquisito de nossa terra natal. Aquela intrigante criatura ao assemelhar-se aos maquiavélicos Monges de Vicovaro, praticava sortilégio, bruxaria e venerações sinistras em busca da cura dos malditos, dos psicopatas e dos enigmas que desvendariam a hora de sua morte. Tratava-se do misterioso macumbeiro Roseno, sujeito baixinho, moreno, gorducho, que causava espanto com as suas terríveis manias diabólicas de abominar o espelho quebrado, o fogo das catacumbas e o urubu pousado no telhado, diante da certeza do azar que causava o mau-olhado, o medo das almas do outro mundo, a dureza do olhar viperino que hipnotizava os maltratados pela sorte, de influência nefasta, de anulação de energias negativas e dos sonhos de mau augúrio. Roseno, como mago, atuava pela anestesia da auto sugestão para curar a má influência, forjar as leis naturais e os mistérios sombrios da natureza humana. E sob os capuzes das sombras, refugiou-se nas tentações da solidão, do exótico e do sobrenatural, em busca da compreensão do medo e do incognoscível. Dessa forma Roseno transformou-se num dos mais poderosos macumbeiros de Russas. Criado para viver em meio a uma rigorosa educação, longe de avejões, diabais e matronas, em busca do inexplicável, com o tempo passou ouviu os insistentes conselhos do pensamento que o fez, afastá-lo do meio social e da luz dos farolins, para nos hábitos ermos e sinistros da semi escuridão, dedilhar o terço na fuga da angústia, dos transes mágicos, das ânsias cruentas, dos sinais misteriosos do acaso, num conceito de humildade, compaixão e justiça. Com o corpo-fechado Roseno cercou-se de um universo trágico de preces e de arrependimentos infernais. Com suas dúvidas, angústias e fascínios pelo talento do hinduísmo bizarro, tornou-se adepto das coisas difíceis de serem identificadas e passou a ouvir a voz dos finados, o murmúrio dos moribundos e a observar o voo da rasga-mortalha.
E um tanto endemoninhado anunciou a sorte dos seres inferiores e o azar dos que ignoravam as temerosas forças ocultas, antes que qualquer coisa acontecesse diante do mau presságio. Inebriante como satânico catecúmeno, assustadoramente recluso com os seus estranhos rituais, virou alvo profano de feitiço e especulação. Daí então, se um notívago ouvisse gargalhadas noturnas de uma coruja, se murchasse o pinhão-roxo frente a casa ou confrontasse com um sonâmbulo de olhos maléficos, consultavam o oráculo. Como nada para ele era inverossímil, absurdo ou impossível, por curar doido varrido, maníaco de suplício diabólico e pestilento designado. Antes de receber o andrajo semimorto para o restabelecimento da saúde, em absoluto silêncio e jejum, bebia vários litros de cachaça sem ficar ébrio, nem confuso, selecionava suas vítimas pisando em brasas acesas, chicoteando os peitos e as costas para purificar a alma e o ambiente e iniciava o fetiche com velas acesas nos cantos da casa e punhais cruzados atrás das portas. E num olhar de felino e gargalhadas arrepiantes de Curupira, pitava charuto, matava o bicho a dançar em meio a um canto triste a sacotear o corpo de praguejador maldito. Roseno tirou agulhas dos joelhos do Zé do Ouro, arame dos pés do João Pequeno, espinhas de peixe do pescoço do Nenô, alfinetes das mãos do Zé da Onça e pregos do ouvido do monstro Zebio. Nos casos do sem jeito, para afastar a maligna fera do corpo, através da auto sugestão, mandava os condutores do paciente botar em sua boca um ovo quentinho que a galinha, no terreiro, acabara de pôr. Daí Roseno fungava a linguagem longínqua dos mais infames a irradiar fosforescente uma luz sombria, enquanto no terreiro o galo explodia o cocoricó horripilante. Depois num sinal mágico, tirava o ovo da boca do demente e quebrava-o a exibir o que havia dentro: Cabelo, prego, parafuso, polca, vidro, arame, dente, perna de aranha, unha, agulha. E, num brado assustador, arrotava: “Pode soltar! O feitiço acabou!” Sempre havia espanto. “Esse doido é temível!” E o doido, que amarrado não parava de dar muros, mordidas, pontapé e bofetões, depois de solto, tornava-se uma criança sorridente. Mas numa sessão, tarde da noite, eis que surge diante do culto Roseno a imagem da mendiga Maria das Quengas que pronuncia: “Aceite meus pêsames!” 0 eloquente macumbeiro ficou teso ao receber aquela homenagem póstuma, nervoso, indagou: “Pêsames!” A mendiga de braços em cruz, sumiu. Roseno, sem pensar em cavilação, numa viagem fantasmagórica pelo bárbaro primitivismo dos fantasmas do além-túmulo se viu morto aos 33 anos de idade. Roseno, muito jovem ainda, diante daquela terrificante visão, aprofundou-se nos cultos fúnebres e ao acompanhar o seu féretro, misteriosamente faleceu exatamente com 33 anos de idade. Idade de Cristo. Muitos russanos, Cacete e Zé do Ouro, afirmaram que o baú dos feitiços do iluminado Roseno, cheio de ouro e prata, foi enterrado à margem do riacho Araibu, sob o cata-vento do Vicente Leite.

Escrito pelo Dr. Airton Maranhão (foto) advogado e membro da Academia Russana de Cultura e Arte (ARCA)

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