quinta-feira, 5 de maio de 2011

ZÉ DO CANÁRIO

Em Russas jamais existirá uma figura tão marcante no cenário da malandragem e da vadiagem como a do trambiqueiro Zé do Canário, com a sua extraordiária vocação de satirista galhofeiro e de salafrário brincalhão. Com todos os elementos e valores dos tipos mais inquestionáveis e hilariantes de expressão sardônica e sorriso fatídico,  notabilizou-se com raridade na índole dos mais imprevisíveis larápios e desvelados maganões de nossa terra natal. Ilusionista de jejuno, finíssimo batedor de carteira, endiabrado pescador de tarrafa, de anzol e grande caçador. Adorava chupar o polegar na rede à sombra do tamarineiro. Detestava o xilindró e o trabalho. Malandro, pegou piaba em garrafa, caçou traíra com lanterna, como caçador atirava nas galhinhas dos ribeirinhos do Araibu e dizia que eram nambus, despenou o Bigolô, o Tremendão e o Fonfom.  Afanou o fumo da Dudu do Patronato, o mealheiro de sua esposa Sidoca e a fantasia do mestre Joaquim da Cabocla. Afamado ladrão de galinha, de gaiola e tresmalho, gabava-se na pabulagem de um inimitável malandro e exímio jogador de baralho. – Zé, o que roubou ontem? – Os patacões de ouro do Dr. Estácio! O xexeiro de fuampa surrupiou os velhinhos do Funrural, as esmolas da igreja, e nas catacumbas, os dobrões debaixo da língua dos mortos. Prestigioso gatuno do bordel da Ceguinha. Canalha da troça e da molecagem. – Zé, o que vai roubar hoje? - O terço da velha Rosa e a hóstia do padre Valério! Malandro contador de lorota, filão de cigarro, subtraiu o boêmio Telha, a cafetina mãe Chiquinha e a corda que o sacristão Tonico repicou o sino da matriz. Mentiroso fluente, gaiato, cheio de cavilação, velho batedor de chocalho. - Zé, roubou hoje? - O galo do Vicente Leite e a bodega do Zé Ramalho! Viciado no jogo do bicho, na cachaça do Parente, emérito pinguço do Beco do João Vital. Incontestável ladrão de Judas, fabricante de cerol para empinar papagaio, roubou a merenda da cantina da dona Cléa, engabelou o Chico Réis, pachola aprontador de escangalho, canoeiro das caudalosas correntes do Jaguaribe. - Zé, vai afanar quem? - O Amaral do Coloral e a sanfona do Zé Bolinha! Pescador de mergulho profundo no riacho Araibu, roubou a tarrafa do João Buema, a funerária do Raimundo Maia, o apito do juiz Iran do Vale. Conhecido como o mais prestigioso caçador de rolinha, pescador de piranha, ladrão de espantalho, nunca pagou a cana do Barretão. - Zé, roubou nesta noite? - O beiju do seu Deco e a Moageira de Café do Macaibinha! Afanou os pastéis da Capistrana. Ladrão de roupas de defunto, marreteiro de estratos das prostitutas do Farol, quando vinha para Fortaleza e se hospedava na casa de seu irmão Antônio Louro, um dos maiores motreteiro do Mucuripe. - Zé do Canário, vai roubar o quê? - A cachaça do Alexandre Celedônio! Dançarino das gafieiras da coaça e do Forró do Pipiu. Tapeou o caipira do Vinte Um, trapaceou o bozó do Chico da Teté, burlou a roleta do Zé Lulu e engabelou o Cassino do Zeca Porto. Expurgou o Cabo  Guedes no salão de bilhar, roubou o Boca Rica, afanou o Zé do Ouro e a empresa Pacol. – Zé, já roubou hoje? - A mercearia do Neném Lopes! Com tapeação enganou o Antônio da Marta do Carrossel, roubou as fotos do Nêgo Leudo, enganou o Welser com urtiga,  dançou tuíste com Birita e limpou o Luis Pires no bar do Vicente Silva. Justifico o galardão desse ladravaz com expressão de louvor. Quem o conheceu, confirma sua história. Zé do Canário sempre dizia: “Os mortos são imortais.” E morreu atropelado quando pedalava um bicicleta roubada de marca Gulliver, em Fortaleza, defronte a Imprensa Oficial do Ceará, na Avenida Washington Soares. Perpetuando-se na história do interior do Estado como um dos maiores marreteiros de todos os tempos.

Airton Maranhão
                                                                      Advogado e Escritor                                                             Membro da Academia Russana de Cultura e Arte - ARCA

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